Bons Dias, de Machado de Assis . Boas Noites

[19 junho]
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Bons Dias!

Não gosto de ver censuras injustas. Há dias, um eminente senador disse que a Câmara dos Deputados era a câmara de dois domingos, e disse a verdade, porque ali um sábado e um domingo são a mesma cousa. Não a censurou por isso, entretanto, mas por adiar para o sábado os requerimentos, isto é, mandar-lhes o laço de seda com que eles se enforquem logo.

Sejamos justos. A Câmara, não fazendo sessão aos sábados, obedece a um alto fim político:—imitar a Câmara dos Comuns ingleses, que nesse dia também repousa. Deste modo, aproxima-nos da Inglaterra, berço das liberdades parlamentares, como dizia um mestre que tive e que me ensinou as poucas idéias com que vou acudindo as misérias da vida. Dele é que herdei a espada rutilante da injustiça,— o timeos Danaos,—o devolvo-lhe intacta a injúria, e outros vinténs mais ou menos magros.

Dir-me-ão que os comuns ingleses descansam no sábado, porque ficam estafados das sessões de oito, nove e dez horas, que é o tempo que elas duram nos demais dias.

E verdade; mas cumpre observar que os comuns começam a trabalhar de tarde e vão pela noite dentro, depois de terem gasto a primeira parte do dia nos seus próprios negócios. Deste modo estão livres e prontos para ir até a madrugada, se preciso for. Trabalham com a fresca, despreocupados, tranqüilos. Não acontece o mesmo conosco. As nossas sessões parlamentares começam ao meio-dia, hora de calor, sem dar tempo a fazer alguma cousa particular; e depois o clima é diferente. Nem já agora é possível tornar aos sábados. O Sr. Barão de Cotegipe disse que desde 1826 dormem projetos de lei nas pastas das comissões do Senado, com os requerimentos da Câmara deve acontecer a mesma coisa, mas suponhamos que só começam em 1876...

Censuras não faltam. Já ouvi censurar um dos nossos costumes parlamentares, que justamente mais me comovem; refiro-me ao de levantar a sessão, quando morre algum dos membros da casa. A notícia é dada por um deputado ou senador, que faz um discurso, pondo em relevo as qualidades do finado. Às vezes o defunto não prestou ao Estado o menor serviço; não importa, essa é justamente a beleza do sistema democrático e de igualdade que deve reger, mais que todos os corpos legislativos. Para o parlamento, como para a morte, como para a Constituição, todos são legisladores, todos merecem igual cortesia e piedade.

Os censuradores alegam que este uso não existe em parte nenhuma, fora daqui. O argumento Aquiles (como me diria o citado mestre) é que, tendo sido as câmaras inventadas para tratar dos negócios públicos, a morte de um de seus membros deve pesar menos, muito menos, que o dever social. Daí o discurso em que o presidente deve noticiar a morte, com palavras de saudade, e passar à ordem do dia.



Os preconizadores de hábitos peregrinos chegam a citar o que agora mesmo se deu no parlamento de Inglaterra, quando chegou a notícia da morte do genro da rainha, que não era membro da Câmara dos Lords, mas podia sê-lo, se não fosse imperador da Alemanha. A notícia foi comunicada a ambas as câmaras por um ministro respondeu-lhe o leader da oposição, e continuaram os trabalhos, durando os da Câmara até às duas da madrugada.

Mas quem não vê que nem o exemplo nem o argumento servem ao nosso caso?

Quanto ao exemplo, basta considerar que, posto que o imperador fosse um digno e grande homem, não era membro ele de nenhuma das casas. Fizeram-se mensagens à rainha e à imperatriz.
Além disso, pode ser que, realmente, nesse dia houvesse negócios urgentes. Digo isto, porque o discurso do ministro na Câmara dos Lords, respeitoso e grave, ocupa apenas doze linhas no Times, e o da oposição onze. Na dos Comuns, o do ministro tem nove linhas, o da oposição oito. Cabe ainda notar que ninguém mais falou. Finalmente dali em diante proferiram-se na Câmara dos Comuns. sobre diversos projetos, mais de cinqüenta discursos.

Quanto ao argumento, não há nada mais falho. É certo que as câmaras foram criadas para curar principalmente dos negócios públicos; mas onde é que constituições escritas revogaram leis do coração humano? Podem transtorná-las, e certo' como na dura Inglaterra, na França inquieta, na Itália ambiciosa; mas, tais são as nossas condições. Demais, a veneração dos mortos cimenta a amizade dos vivos.

Ponhamo-nos de acordo. Se a Câmara não faz sessão aos sábados, para acompanhar a dos Comuns, aqui-del-rei. Se não acompanha a dos Comuns, e se vai embora, sempre que morre algum membro terá igual censura. Ponhamo-nos de acordo.

Boas Noites
09.02.2011
às 18h57min
 

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