BONS DIAS!




Bons Dias de Machado de Assis





Dizia-me ontem um homem gordo. . . para que ocultá-lo?. . Lulu Sênior:

—Você não pode deixar de ser candidato à câmara temporária. Um homem dos seus merecimentos não deve ficar à toa, passeando o triste fraque da modéstia pelas vielas da obscuridade. Eu, se fosse magro, como você, é o que fazia, mas as minhas formas atléticas pedem evidentemente o Senado; ]á irei acabar estes meus dias alegres. Passei o cabo dos quarenta; vou a Melinde buscar piloto que me guie pelo oceano Índico, até chegar à terra desejada...

Já se viam chegados junto à terra,

Que desejada já de tantos fora.

— Bem, respondi eu, mas é preciso um programa; é preciso dizer alguma cousa aos eleitores; pelo menos de onde venho e para onde vou. Ora, eu não tenho idéias, nem políticas nem outras.

— Está zombando!

—Não, senhor, juro por esta luz que me alumia. Na distribuição geral das idéias.. . Talvez você não saiba como é que se distribuem as idéias, antes da gente vir a este mundo. Deus mete alguns milhões delas num grande vaso de jaspe, correspondente às levas de almas que têm de descer. Chegam as almas; ele atira as idéias aos punhados; as mais ativas apanham maior número, as moleironas ficam com um pouco mais de uma dúzia, que se gasta logo, em pouco tempo; foi o que me sucedeu.

—Mas trata-se justamente de suprimi-las; não as ter é meio caminho andado. Tem lido as circulares eleitorais?

—Uma ou outra.

— Aí está porque você anda baldo ao naipe; não lê nada, ou quase nada, os jornais passam-lhe pelas mãos à toa, e quer ter idéias. Há opiniões que eu ouço às vezes, e fico meio desconfiado; corro às folhas da semana anterior, e lá dou com elas inteirinhas, pois as circulares, se nem todas são originais, são geralmente escritas com facilidade, algumas com vigor, com brilho e... Umas falam de ficar parado, outras de andar um bom pedaço, outras de correr, outras de andar para trás...

— Justamente. Que hei de escolher entre tantos alvitres?

— Um só.

— Mas qual?

- De tantos homens que falaram aos eleitores, um só teve para mim a intuição política; "Conhecido dos meus amigos (escreveu o Sr. Dr. Nobre, presidente da Câmara Municipal), julgo-me dispensado de definir a minha individualidade política." Tem você amigos?

— Alguns.

— Tem muitos. Bota para fora essa morrinha da modéstia. Você não terá idéias, mas amigos não lhe faltam. Eu tenho ouvido cousas a seu respeito, que até me admira, é verdade. Já vi baterem-se dois sujeitos por sua causa. Vinham num bond ao pé de mim. Um disse que o encontrara nesse dia de fraque cor de rapé, o outro que também o vira, mas que o fraque tirava mais a cor de vinho. O primeiro teimou, o segundo não cedeu, até que um deles chamou ao outro pedaço d'asno; o outro retorque-lhe, não lhe digo nada, engalfinharam-se e esmurraram-se à grande. Eu nunca me benzi com um sacrifício destes. Vamos, amigos não Lhe faltam.

— Pois sim; e depois?

— Depois é o que escreveu o candidato. Conhecido dos seus amigos, que necessidade tem você de definir-se? É o mesmo que dar um chá ou um baile, e distribuir à entrada o seu retrato em fotografia. Não se explique; apareça. Diga que deseja ser deputado, e que conta com os seus amigos.

— Só isso?

— Ó palerma, eles conhecem-te, mas é preciso visitá-los. A maior parte dos amigos não votam sem visita. A questão é esta? O eleitor tem três fases; está na segunda, em que a cédula é considerada um chapéu que ele não tira sem o outro tirar primeiro o seu chapéu de verdade. Se houver intimidade, ainda podes dizer brincando: "Ó Cunha, tira o chapéu." Mas o teu há de estar na mão.

— Bem, se é só isso, estou eleito.

— Isso, e amigos.

— E amigos, justo.

— Não te definas, eles conhecem-te; procura-os. Quando o filhinho de algum vier à .sala, pega nele, assenta-o na perna; se o menino meter o dedo no nariz, acha-lhe graça. E pergunta ao pai como vai a senhora; afirma que tens estado para lá ir, mas as bronquites são tantas em casa. . . Elogia-lhe as bambinelas. Não ofereças charuto, que pode parecer corrupção; mas aceita-lhe o que ele te der. Se for quebra-queixo, pergunta-lhe interessado onde é que os compra.

— Já se vê, em cada casa a mesma cantilena. Uma só música, embora com palavras diversas. O eleitor pode ser um ruim poeta. . .

— Justamente; leva-lhe decorado o último soneto, um primor.

— Compreendi tudo. Definição é que nada, visto que são meus amigos Compreendi tudo. Posso oferecer a minha gratidão?

— Podes; toda a questão é ir ao encontro do sentimento do eleitor, isto é, que ele te faz um favor votando; não escolhe um representante dos seus interesses. Anda vai-te embora e volta-me deputado.

Bons Dias.

(Acesso dia 16 de fevereiro de 2011 às 08h40min)


 

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