Bons dias de Machado de Assis
BONS DIAS! 

O diabo que entenda os políticos! Toda a gente aqui me diz, que o meio de obter câmaras razoáveis é acabar com as eleições por distritos, na quais, à força de meia dúzia de votos, um paspalhão ou perverso fica deputado. Dizem agora telegramas franceses, que o governo e a maioria da Câmara dos Deputados, para evitar o mesmo mal, vão adotar justamente a eleição por distritos. Entenderam? Eu estou na mesma.
Felizmente, dei com uma dessas criaturas que o céu costumava enviar para esclarecer os homens, a qual me disse que Pascal era um sonhador. Não gosto de calembour, mas não pude evitar este: "Há de me perdoar, o Pascoal é confeiteiro." A pessoa não fez caso; continuou dizendo que Pascal era um sonhador, porque o que achava estravagante, é que é natural: verdade aqui, erro além. Sabia eu por que é que lá adotaram o que para nós é ruim? Era para escapar ao cesarismo. Sabia eu o que era cesarismo?
— Não, senhor.
— Cesarismo vem de César.
— Farâni? perguntei eu, e confesso que sem o menor desejo de trocadilho.
— Não.
— Zama? Conheço um César Zama.
— Cala-se, homem, ou ponha-se fora. Não estou para aturar cérebros fracos, nem pessoas malcriadas, porque, se é grande impolidez interromper a gente para dizer uma verdade, quanto mais uma asneira. César Zama! César Farâni!
— Já sei: César Cantu...
— Vá para o diabo, que o ature. Quando quiser saber as coisas ouça calado, entendeu? Ora essa! Cantu, Farâni, Zama... Já viu o cometa?
—Há algum cometa?
—Há, sim, senhor, vá ver o cometa, aparece às 3 horas da manhã, e de onde se vê melhor é do morro do Neco, à esquerda. Tem um grande rabo luminoso. Vá, meu amigo; quem não entende das coisas, não se mete nelas. Vá ver o cometa.
Fiquei meio jururu, porque o principal motivo que me levara a procurar a dita pessoa, não era aquele, mas outro. Era saber se existia a Sociedade Protetora dos Animais.
Afinal, prestes a ir ver o cometa, tornei atrás e fiz a pergunta. Respondeu-me que sim, que a Sociedade Protetora dos Animais existia, mas que tinha eu com isso? Expliquei-lhe que era para mim uma das sociedades mais simpáticas. Logo que ela se organizou, fiquei contente, dizendo comigo que, se Inglaterra e outros países possuía Novidades tais por que não a teríamos nós? Prova de sentimentos finos, justos, elevados; o homem estende a caridade aos brutos.
Parece que ia falando bem, porque a pessoa não gostou, e interrompeu-me, bradando que tinha pressa; mas eu ainda emiti várias frases asseadas, e citei alguns trechos literários para mostrar que também sabia cavalgar livros. Afinal, confiei-lhe o motivo da pergunta: era para saber se, havendo na Câmara Municipal nada menos de três projetos ou planos para a extinção dos cães, a Sociedade Protetora tinha opinado sobre algum deles, ou sobre todos.
A pessoa não sabia, nem quis meter a sua alma no inferno asseverando fatos que ignorava. Saberia eu o que se passava em Quebec? Respondi que não. Pois era a mesma coisa. A sociedade e Quebec eram idênticas para os fins da minha curiosidade. Podia ser que os três projetos já a sociedade houvesse examinado quatro ou mesmo nenhum; mas, como sabê-lo?
Conversamos ainda um pouco. Fiz-lhe notar que os burros, principalmente os das carroças e bonds, declaram a quem os quer ouvir, que ninguém os protege, a não ser o pau (nas carroças) e as rédeas (nos bonds). Respondeu-me que o burro não era propriamente um animal, mas a imagem quadrúpede do homem. A prova é que, se encontramos a amizade no cão, o orgulho no cavalo, etc., só no burro achamos filosofia. Não pude conter-me e soltei uma risada. Antes soltasse um espirro! A pessoa veio para mim, com os punhos fechados, e quase me mata. Quando voltei a mim, perguntei humildemente:
—Bem; se a Sociedade Protetora dos Animais não protege o cão nem o burro, o que é que protege?
—Então não há outros animais? A girafa não é animal? A girafa, o elefante, o hipopótamo, o camelo, o crocodilo, a águia. O próprio cavalo de Tróia, apesar de ser feito de madeira, como levava gente na barriga, podemos considerá-lo bicho. A Sociedade não há de fazer tudo ao mesmo tempo. Por ora o hipopótamo, depois virá o cão.
— Mas é que o...
— Homem, vá ver o cometa, morro do Neco, à esquerda.
—Às três horas?
—Da madrugada; boas noites.
Bons dias.
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